terça-feira, 30 de abril de 2019

O CONTO DA AIA , UMA DISTOPIA POSSÍVEL?




UMA POSSÍVEL LEITURA DE UMA  DISTOPIA ASSUSTADORA

                                       “Basta uma crise política, econômica ou religiosa para que os direitos políticos das mulheres sejam questionados.” 
(Simone de Beauvoir)   
                                           

Quando ouvi sobre esta história pela primeira vez, não dei muita importância. Achei que seria mais uma dessas séries da moda que fazem tremendo sucesso entre adolescentes devido a roteiros apelativos e cenas impactantes.  Ao ser informada de que se tratava de uma série baseada em um livro, fui investigar e descobri o incrível trabalho de Margaret Atwood. Logo, interessei-me em ler o livro. Não assisti a série ainda e talvez demore a fazê-lo, porque quero continuar apreciando as imagens que elaborei durante a leitura.  Portanto a análise que apresento aqui é baseada somente no livro.


SINOPSE:
O Conto da Aia (The Handmaid's Tale)  é um romance distópico da autora canadense Margaret Atwood, publicado originalmente em 1985. 
A história se passa na República de Gilead, um estado totalitário que se assemelha a uma teocracia que teria derrubado os Estados Unidos. 
O romance centra-se na jornada da serva Offred. Seu nome deriva da forma possessiva "of Fred" (de Fred em Português), as criadas são proibidas de usar seus nomes de nascimento e devem fazer eco ao homem, ou mestre, a quem servem. Offred tem 33 anos e é apenas uma Aia na casa de um enigmático comandante do alto escalão do exército e de sua Esposa. Nesse estado totalitário só existe uma função real para as Aias: procriar. Em um mundo devastado pela radiação e pelos efeitos de uma guerra em andamento, a maioria das mulheres são inférteis. Com a queda da natalidade, Offred foi separada de sua família e hoje é propriedade do novo governo. Ela precisa cumprir sua função, caso contrário se tornará uma das Não mulheres - aquelas que não podem ter filhos, as homossexuais, viúvas, feministas, condenadas a trabalhos forçados nas colônias, lugares onde o nível de radiação é fatal.  Em meio a opressão de um estado teocrático e totalitário, Offred se agarra à esperança de saber o paradeiro da filha e do marido. Mesmo colocando a vida em risco, resiste tentando tirar proveito daqueles que controlam sua vida.

Minha leitura

Durante as primeiras páginas, talvez seja inevitável se lembrar do livro de George Orwell, 1984, a monotonia da rotina da personagem que aos poucos nos revela a prisão em que sobrevive a medida que nos apresenta a estrutura da sociedade distópica na qual está inserida.  A princípio achei a leitura cansativa, monótona e tediosa. Comecei a pensar que o livro não estava dando conta das minhas expectativas. As primeiras páginas são sofríveis. Em seguida pensei, será que não seria exatamente isso que a autora queria que sentíssemos?  Talvez tenha sido intencional, fazer com que o leitor sentisse todo o tédio da vida de Offred. Afinal, a rotina diária de um prisioneiro, um escravo, um servo ou de qualquer pessoa privada de sua liberdade, deve ser bem monótona. O tédio da leitura se desfaz quando Offred se lembra dos momentos antes do novo regime, da sua vida antes de ser tornar uma Aia. Assim, pelas pistas deixadas por suas memórias vamos elencando os fatos que antecederam aquele momento e compreendendo como se deu o golpe (chamado de revolução teocrática) que instalou na República de Gilead, um regime autoritário estruturado por um discurso religioso extremista. 

O campo de visão de Offred durante o dia é limitado devido à  pela minúscula janela de seu quarto e também à touca com abas que é obrigada a usar,  não se pode olhar para os lados tampouco falar sem ser solicitada. A palavra para elas é proibida. Tal limitação de visão, espaço e liberdade faz com que a personagem foque nos detalhes do pouco que vê. Assim seu relato extremamente descritivo nos revela uma visão muito particular do lugar, das pessoas e do ambiente em que vive. Curioso notar como ela se atenta aos detalhes e ressalta constantemente todas as cores , boa parte delas em tons pastel, que contrastam com as poucas cores fortes como  o vermelho de sua vestimenta e a cor dos olhos da Esposa do Comandante.

“Eu me levanto da cadeira, avanço meus pés para a luz do sol, até os sapatos vermelhos, sem salto para poupar a coluna e não para dançar. As luvas vermelhas estão sobre a cama. Pego-as, enfio-as em minhas mãos, dedo por dedo. Tudo, exceto a touca de grandes abas ao redor de minha cabeça, é vermelho: da cor do sangue que nos define.”

“Mas não os olhos, que eram do tom azul frio e hostil de um céu no meio do verão, sob a luz intensa do sol, uma azul que isola e exclui você.”

“Ela está com seu vestido habitual de Martha, que é verde desbotado como um traje cirúrgico dos tempos anteriores.” 

“...era ela , em seu longo traje cerimonial azul-claro, inconfundível.”

 “Montanhas arborizadas, vistas do alto, as árvores de um amarelo doentio, eu gostaria que ela ajustasse sua cor.”

Seria essa paleta de cores desbotadas, uma referência aos tons em pastel, geralmente usados em decoração doméstica e associados à pressuposta delicadeza e suavidade do suposto universo feminino?  E o vermelho cor de "sangue que nos define" seria uma referência ao pensamento primário estritamente biológico de definir a mulher apenas pelo fato de ter um útero? 
Os fenômenos naturais são usados para expressar seus sentimentos ou sensações. Assim como compara traços humanos com características de animais diversos. A natureza em seu discurso é utilizada para descrever o mundo que vê e sente. 

“O rosto dele é comprido e triste, como de uma ovelha, mas com os olhos grandes e redondos de um cachorro, um spaniel não um terrier.”

“O tempo não parou. Ele correu sobre mim como água, me arrastou e me apagou como água, como se eu nada mais fosse que uma mulher de areia, deixada por uma criança descuidada perto demais da água do mar. Fui obliterada por ela.”

Enquanto no discurso do Comandante e das Tias a natureza é utilizada para expressar a naturalização da opressão colocada. 

“Aqueles anos foram apenas uma anomalia, historicamente falando, disse o Comandante, apenas uma feliz casualidade. Tudo o que fizemos foi pôr as coisas de volta, de acordo com a norma da Natureza.”

“- Significa que não se pode trapacear com a Natureza – diz ele – A Natureza exige variedade para os homens. É lógico, razoável, faz parte da estratégia de procriação. É o plano da Natureza.” (Comandante explicando o porquê da existência do Clube onde era permitido a prostituição).

A narrativa de Offred segue fazendo esse paralelo entre a natureza, o natural e o naturalizado e nos instiga a refletir a respeito.
A sua noção e marcação de tempo também se dá através dos ciclos naturais, noite, dia, primavera verão. É interessante notar como a noite é o momento mais importante de seu dia.

“A noite é minha, meu próprio tempo, para eu fazer o que quiser, desde que fique quieta...”

Inclusive os principais fatos que vão mudar completamente a sua trajetória acontecem à noite, devido a sua inquietude e inconformidade com a situação em que se encontra. Não é a toa que dos quinze episódios de sua história, sete têm o título de “Noite”. É como se durante o dia ficasse reservado para a monotonia da vida de serva e a noite é onde ela na medida que liberta suas inquietações, resgata o pouco de humanidade que ainda lhe resta. Quando cai a noite ela é livre para pensar e agir.

A maneira como Margaret Atwood apresenta a história de Offred é interessante e dá um tom muito especial ao seu romance, uma sensação de que o que está sendo contado ali realmente aconteceu.  Toda a narrativa está de forma não linear, intercalando as memórias de seu tempo passado, seu tempo de transição para a função de Aia no Centro Vermelho e com seu tempo presente na casa do comandante a quem serve. Fazendo com que o leitor ao tentar montar o quebra-cabeça da história e juntar os fragmentos dos devaneios de Offred, fique cada vez mais instigado a continuar a leitura.  Afinal, somos tomados pelo desejo de compreender como a sociedade de Gilead chegou aquele ponto e se haverá algum final feliz para a personagem, que lamenta o tempo todo a perda da filha e do marido, e a medida que resiste ao sistema totalitário ao qual foi obrigada a sobreviver, vai nutrindo a esperança de encontra-los algum dia. 

Apesar de Offred questionar esse sistema o tempo todo, ela tenta primeiramente sobreviver antes de pensar em se libertar de tudo aquilo, ou seja, torna-se passiva na maior parte da história e o pouco que se arrisca é para tentar se libertar e não necessariamente enfrentar o sistema diretamente. Por mais que nutra ódio pelos seus opressores, Offred não tem a mesma coragem e rebeldia de Moria sua amiga dos tempos antigos ao regime. Offred que se torna a princípio conivente com o sistema, assume todos os papéis que lhe são impostos inclusive o de “subversiva”, a medida que sede aos caprichos do comandante ou às manipulações de sua Esposa. Tenta tirar vantagem da situação para que possa ter alguma migalha a mais de chance que a aproxime de sua filha. Offred não chega a ser submissa, existe revolta dentro dela, mas como serva precisa cumprir seus deveres para não morrer, tampouco é uma rebelde como Moria. 
Acredito que seu gesto revolucionário tenha sido fugir e conseguir de algum modo deixar sua história registrada. Afinal, uma vez que a leitura e palavra eram proibidas às mulheres, até placas foram substituídas por desenhos e somente os homens tinha acesso aos livros, ela consegue se apropriar novamente do seu direito a palavra e registrar sua história. Assim gerações futuras poderiam ter uma ideia do que seria uma Aia e todas as opressões do regime totalitário a que todos estavam expostos. 

E por que essa distopia nos soa tão assustadoramente possível?

Durante toda a narrativa do conto da Aia, podemos identificar situações, valores muito semelhantes ao que temos hoje em nossa sociedade. À medida que nos conta uma história fictícia e distópica, a autora denuncia direta ou indiretamente (proposital ou não) diversas formas de opressão sofridas pelas mulheres em diversas épocas da história humana, até em nos nossos dias. Acho que a genialidade da autora foi justamente abusar da verossimilhança, pois leva a pensar e discutir questões importantes da nossa sociedade, sobretudo no que tange as mulheres. Questões do atual momento, que muitas vezes tentamos fugir e não queremos encarar. A realidade incomoda, é desconfortável, quanto mais elevamos nossa consciência para a situação real em que nos encontramos, maior é a sensação de desconforto e de incômodo. Evitamos muitas vezes a realidade e buscamos conforto na ficção. E é aqui que está a astúcia da autora. Ela usa esse recurso milenar de contar história, para provocar dúvidas e questionamentos, para nos fazer pensar justamente nas questões pungentes que evitamos. Através de uma história absurda, denuncia o absurdo da realidade. 

Algumas interpretações apontam que o romance traz uma reflexão sobre liberdade, direitos civis, a fragilidade do mundo tal qual conhecem, futuro e tal. Mas penso que falta uma reflexão muito importante nesta lista, e que pra mim é a mais importante: a condição feminina ou a fragilidade da condição feminina.  Analisando o romance, percebemos que para instalação do poder teocrático em Gilead, controlar as mulheres foi fundamental para consolidar este regime totalitário. Foi preciso tirá-las de cena, de suas atuações na sociedade como profissionais, professoras, advogadas, bancárias, etc. e confiná-las ao âmbito doméstico em diversas funções, inclusive como meras parideiras. A submissão foi institucionalizada gradativamente. 

Já aos homens, estes foram controlados com outra estratégia, a sedução pelo poder. A possibilidade de servir a república, receber méritos por isso e ser promovido aos mais altos cargos do exército e do governo, a sensação de estar no controle de alguma coisa só por vestir uma farda -mesmo não estando no controle de coisa alguma e sim sendo controlado por uma patente maior - foi o suficiente.  Incrível como uma história de ficção pode ser tão realista. 

Ao abordar a fragilidade da situação das mulheres, a narrativa torna-se muito real para muitas de nós. Primeiro retiram-lhes o emprego, trabalho remunerado, confiscam o dinheiro na conta do banco e com isso destituem-nas de sua independência econômica.   Para usar o próprio dinheiro, era preciso pedir a autorização do marido. Oras, essa é uma  estratégia do patriarcado desde sempre. 

Em seguida, elas são divididas em dois tipos principais, férteis (úteis) ou inférteis (inúteis), reduzindo o indivíduo feminino a mera condição de reprodutora da espécie. Depois vem as categorias: Esposas, Tias, Marthas, Econoesposas, as Não mulheres, sendo que as Esposas (mulheres dos oficiais de alta patente) estão no topo da hierarquia entre as mulheres. Essas mulheres não são pessoas, elas são papéis a serem representados. 
Com exceção das Econoesposas  (mulheres dos homens de baixo escalão do governo) que fazem todas as funções - é interessante a questão da sociedade dividida em classes muito bem representada aqui - todas têm uma função, uniformes e padrões de comportamento, uma vida como um script a ser cumprido. 
Em nossa sociedade não é diferente, o patriarcado reservou um lugar para nós em seu sistema, a esposa, a amante, a puta, a mãe, a solteirona etc. A objetificação da mulher faz com que as mulheres sejam o que os homens dizem que elas são.

A maternidade como instrumento de poder

A maternidade é outro ponto da história abordado de forma genial.  Em Gilead, à medida que o novo regime coloca como alicerce a importância da família nuclear, dentro de um padrão de heteronormatividade patriarcal (já que nesta sociedade a homossexualidade é considerada um crime – Traição por Falsidade de Gênero) e todo o pacote de opressão que ela representa, onde o homem é o provedor e está no topo da hierarquia, para estruturar seu poder precisará de herdeiros. Daí a importância e necessidade das Aias, uma vez que nesta sociedade por motivos diversos, a maioria das mulheres se tornou estéreis. 

A autora usa de uma alegoria, um cenário distópico para denunciar uma das formas mais antigas de dominação da mulher, a escravidão do útero. A fantasia da maternidade ainda hoje é utilizada como instrumento de poder, controle e dominação. A começar pela pressão social que se faz para que uma mulher seja mãe. As que não se submetem a tal imposição, as "childfree",  sofrem preconceito pela sua escolha e assim como as que por algum outro motivo não poder gerar filhos, são consideradas mulheres incompletas (não mulheres). 

Essa definição de mulher como ser primordialmente reprodutor, é muito comum também no discurso religioso. Observamos no totalitarismo teocrático da República de Gilead que não basta a reprodução, é preciso fazer toda a fantasia da maternidade. Quando uma Aia gera uma criança, a Esposa faz o papel da mãe e cumpre toda a encenação que cabe a este papel. A cena do parto evidencia isso, enquanto a Aia está parindo, a Esposa está do outro lado encenando o nascimento de “seu filho” e será paparicada por suas amigas e representará o papel da mãe, ou seja, dentro dessa lógica autoritária que escraviza mulheres na condição de procriadoras, alimentar a fantasia da maternidade é uma estratégia. Não basta nascer uma criança para “salvar” a espécie da extinção, é preciso também encenar e viver a fantasia da maternidade como um todo. 

A maternidade geralmente nos é apresentada de forma fantasiosa, quase surreal onde se costuma ressaltar apenas os aspectos positivos, enquanto os negativos são escondidos, silenciados, velados, descartados. De forma sutil o conto da Aia apresenta uma importante denúncia: a promíscua relação entre estado e religião. E como as mulheres se tornam um alvo fácil, afinal na maior parte do discurso religioso a mulher é sempre colocada como inferior e submissa ao homem e principalmente, fica evidenciado o seu papel de “geradora de vida” e o quão sagrado isso é.  Levando em consideração o poder de persuasão e convencimento que muitas religiões exercem sobre as pessoas, fica fácil de compreender por que muitas mulheres se submetem e aceitam tal papel imposto, às vezes até mesmo contra sua vontade mais íntima. Assim como as Aias, essas mulheres acreditam estar cumprindo seu papel ou sua função divina. 

A Cerimônia

Sobre a Cerimônia e a cena de “reprodução compartilhada”, que choca muitos leitores e leitoras, além de ser um estupro institucionalizado e legitimado pelo estado teocrático de Gilead, a vejo também como uma representação simbólica do adultério masculino instituído em nossa sociedade. Oras, se a intenção era garantir a não extinção da espécie, inseminação artificial resolveria o problema. Porém, mais uma vez o discurso religioso e opressor da República de Gilead usa de seu poder para dominar e não aceita tal proposta da ciência, dando ao marido o privilégio de praticar sexo com outra mulher. E tudo isso sob a benção de Deus. Na distopia de Margaret as Esposas estão submissas à situação e se sujeitam ao papel, mesmo não suportando tal opressão, e sofrem tanto como as Aias. 
Em nossa sociedade patriarcal não costuma ser muito diferente, é fato que o adultério masculino é totalmente aceito, enquanto o feminino contribui para o aumento das taxas de feminícido. Assim como a lógica burguesa de família e propriedade faz com que muitas esposas tolerem diversos tipos de abusos em nome do patrimônio que estão construindo com seus maridos, dentre esses abusos está também a sujeição com o adultério do marido. Muitas mulheres sabem que são traídas mas fingem  que não sabem para não criar conflitos ou para não desfazer o patrimônio, status, nome condição social, adquiridos com o casamento. Ou pior, desmanchar seu “sonho dourado” do "casamento perfeito", se sujeitam, ou talvez seja esse mesmo o padrão dentro desta singular ideia de família. . A lógica burguesa de casamento é muito bem representada neste trecho da história. 

A fragilidade da condição feminina é real

A obra de Margaret Atwood é realmente impressionante. Não apenas pelo seu estilo de escrita, a maneira como a história se desenvolve e instiga a leitura, mas porque de uma maneira sutil ela evidencia em sua narrativa diversos aspectos da natureza humana. Para mim particularmente ficou evidenciado a fragilidade da condição da mulher diante de regimes religiosos autoritários e patriarcais. Como se toda as opressões que nós mulheres sofremos hoje estivessem ali representadas em um cenário diferente, mas com a mesma intensidade. 
Retirar os direitos civis de uma mulher é uma das maiores formas violências, assim como escravizá-la ao âmbito doméstico. 
Infelizmente é muito comum o marido proibir a mulher de trabalhar fora e adquirir independência econômica, proibir de estudar e ter acesso ao conhecimento e se desenvolver intelectualmente, sobrecarregá-la com o trabalho doméstico como se esta fosse sua obrigação somente por ser mulher, obrigar a ter filhos e lhe dar herdeiros mesmo não sendo a maternidade uma vontade da mulher, trair e se achar no direito de fazê-lo por ser homem. Também é comum a punição a que qualquer mulher está sujeita ao tentar enfrentar a opressão que sofre: violência psicológica, violência física e a morte. E também comum toda essa violência ser naturalizada pelo discurso religioso, ou seja, "é a vontade de Deus", " está na Bíblia", etc. E o mais comum (e triste) ainda é que muitas mulheres estão tão subjugadas, fragilizadas e desamparadas, que aceitam toda essa violência e dizem "Amém", pois mesmo reconhecendo a opressão em que está inserida, sua visão de mundo está embasada no discurso religioso e opressor.

É impossível não notar as diversas formas de opressão sobre a mulher simbolizadas na história de Margaret - a não ser que você não tenha consciência da existência de nenhuma delas - e é isso que faz com que essa distopia seja assustadoramente real para nós. 
Ao mesmo tempo que assusta, provoca reflexões e assim cativa e eleva a consciência do leitor (a). Simplesmente genial.

Considerações finais

Vale lembrar que essa foi minha interpretação, cada leitor (a) vai observar da história aquilo que mais lhe toca.  Tenho me desdobrado recentemente em estudos sobre a questão da maternidade, talvez por isso essa parte da história foi marcante para mim. 
Por fim gostaria de comentar brevemente outro ponto interessante, a admissão por parte do Comandante de que sem corrupção nenhum sistema se mantém e ele atribui isso a ordem natural das coisas. Sem dúvida este é outro ponto que nos leva a várias reflexões sobre os regimes totalitários. Uma delas, é de que talvez não exista na história da humanidade um sistema em que não haja algum tipo de corrupção. E outra é que sempre que houver privação de liberdade e opressão, haverá resistência. Sempre!


"Liberdade é uma palavra que o sonho humano alimenta, 
não há ninguém que explique e ninguém que não entenda."
 (Cecília Meireles)


SOBRE A AUTORA: Margaret Atwood , nasceu em Ottawa,Canadá em 18 de novembro de 1939. Atua como romancista, poetisa, contista, ensaísta e crítica literária. Graduou-se em Artes na Universidade de Toronto e foi professora de Literatura Inglesa em várias universidades canadenses. 
É uma das escritoras mais admiradas mundialmente, reconhecida com inúmeros prêmios literários internacionais importantes. 
Recebeu a Ordem do Canadá, a mais alta distinção em seu país. Em 2001, ela foi incluída na calçada da Canada's Walk of Fame de Toronto. Recebeu diversos prêmios, como o Man Booker Prize de 2000 por O Assassino cego, Chevalier de l’Ordre dês Arts e dês Lettres e o Príncipe de Astúrias de 2008 pelo conjunto de sua obra, entre outros.
Seus livros foram traduzidos para mais de trinta idiomas. É autora de mais de 35 obras de poesia, prosa e não ficção, entre elas O conto da aia, Dançarinas, Lesão corporal, Madame Oráculo, Olho de gato, A vida antes do homem, Vulgo Grace, O assassino cego, Oryx & Crake, Negociando com os mortos, A tenda e Buscas curiosas, todos publicados no Brasil. 
Desde 1976, é membro fundadora do Writers' Trust of Canada, uma organização não-governamental que atua em apoio da comunidade de escritores canadenses ou que residem no país.


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TEXTO PUBLICADO ORIGINALMENTE NO RECANTO DAS LETRAS:


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