Foi com o intuito de incentivar a leitura e promover o acesso ao livro que surgiu a ideia do Rodízio Literário. A brincadeira é bem simples, um livro é escolhido, organizamos uma fila e o livro vai rodando de mão em mão entre os participantes. Quem termina de lê se encarrega de entregar para o próximo leitor da vez. Depois que todos (as) lerem, marcamos um encontro para conversar sobre o livro.
O livro escolhido para estréia do Rodízio foi: O Conto da Aia ( Margaret Atwood), e o primeiro encontro para trocar ideias e impressões sobre as experiências literárias, aconteceu com muita alegria e emoção.
Um encontro divertido, com muito papo, leitura e trocas enriquecedoras.
Mulheres leitoras reunidas numa ensolarada tarde de sábado, no inverno tropical do litoral norte de São Paulo, conexão e sintonia ! 🍀🌷 Ah! E teve o delicioso café do espaço mais formoso da cidade o empório do café Mala e Cuia. ❤
Tudo perfeito!
Obrigada a todas que participaram. Até o próximo! ;-)
🌵🙌📚
PS: Fotos do encontro no Instagram. Segue lá: @okarapoetica
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sábado, 31 de agosto de 2019
domingo, 4 de agosto de 2019
O ENCANTAMENTO DAS ICAMIABAS
Em uma primeira leitura a lenda fascina e encanta, sobretudo quem se interessa pelos mitos de criação dos povos tradicionais e também quem tem interesse em conhecer histórias e lendas protagonizadas por mulheres genuinamente heroicas, onde suas virtudes não sejam restritas à beleza e seus objetivos de vida não estejam destinados a encontrar um príncipe encantado que salvará suas miseráveis vidas.
Descobri as Icamiabas há muitos anos, quando comecei minha pesquisa sobre a Amazônia, pois o nome do rio Amazônas está relacionado com essa lenda e essa foi a primeira curiosidade que descobri e que me levou a uma certa obsessão pelo tema por alguns longos anos. Fui inevitavelmente seduzida pelo mito das mulheres guerreiras em terras tropicais.
As Icamiabas tornaram-se
conhecidas no início da invasão do Brasil e a lenda começou a ser disseminada quando
expedicionários europeus, liderados pelo espanhol Francisco Orellana, chegaram
à região que hoje pertence à Amazônia, no ano de 1542. De acordo com relatos da
época, quando o conquistador espanhol desceu o rio pelos Andes em busca de
ouro, encontrou com as Icamiabas e junto com outros exploradores lutou com elas
e foram derrotados. A belicosa vitória das Icamiabas contra os invasores espanhóis foi
tamanha que o fato foi narrado ao rei Carlos I, o qual, inspirado nas antigas
guerreiras ou amazonas da mitologia grega, batizou o rio
de Amazonas. No relato do padre dominicano Gaspar Carvajal, que integrava o grupo
expedicionário, ele diz que a tropa fora advertida da existência dessas índias
antes mesmo de entrar em contato com elas. E descreve esse contato com as
guerreiras:
“Nós mesmos vimos essas mulheres
lutando como líderes femininas na linha de frente de todos os índios. As
mulheres são muito claras e altas e usam cabelos compridos que trançaram e
enrolaram em torno de suas cabeças. Eles são muito fortes e ficam completamente
nuas, mas suas partes púbicas estão cobertas.”
Existem muitas lendas com mulheres guerreiras e destemidas em diversas culturas e o mito de uma sociedade só de mulheres fascina e não é novidade. Mas o que torna a lenda das Icamiabas incrivelmente instigante é que nas crônicas de viagem escritas pelo padre Gaspar, ele afirma que se encontram pessoalmente com elas. E por mais fantasioso e contraditório que seja, esse relato causou muito impacto na época plantando uma semente de dúvida que nos intriga até os dias de hoje.
Apesar da Amazônia ainda ser uma
região majoritariamente desconhecida, hoje em dia temos muito mais conhecimento
sobre a floresta e sobre os povos tradicionais do que há 500 anos atrás. Logo,
a descrição que o padre faz das supostas guerreiras amazônicas levanta
suspeitas sobre a veracidade dos relatos. Mulheres altas, brancas, musculosas,
não se assemelham muito com os biotipos físicos dos povos que habitam aquela
região. Teria sido uma linhagem extinta da qual ainda não se descobriu fatos
relevantes? Talvez. Ou os relatos dos
europeus, sobretudo de Carvajal, eram apenas fantasias trazidas em sua bagagem,
misturadas com histórias que ouviram dos índios e que acabaram tornando-se incentivos
para continuar explorando a região? Afinal os relatos descrevem a existência de
objetos de ouro e prata que as Icamiabas levavam consigo.
Juntando os relatos da expedição europeia com a força da tradição oral, essa lenda atravessou séculos e ganhou diferentes versões, mas sempre mantendo os elementos principais da história, descrevendo a tribo das mulheres como uma sociedade rigorosamente matriarcal e matrilinear, que acrescidos de elementos fantásticos, exercem encantamento em que lê. Seja pelo simbolismo ligado ao arquétipo primitivo de feminilidade, da vida natural e da mulher procriadora e provedora da vida, ou pelo fascínio em desvendar os mistérios da Amazônia exótica, tão difundidos pelos europeus em suas crônicas, as Icamiabas se tornaram um grande mito amazônico.
Apesar de aqui no Brasil, sobretudo na região amazônica, pouco se saber a respeito delas, desde o surgimento das crônicas europeias sobre as lendárias guerreiras dos trópicos algumas expedições e estudos tentaram, em vão, provar que as Icamiabas existiram. Alguns desses estudos vão sugerir que poderiam ser mulheres de uma dinastia lunar que migraram da região da Asiática abrindo caminhos para o Novo Mundo. Outros vão descartar qualquer possibilidade de existência delas sugerindo que as mulheres avistadas por Orellana, eram mulheres indígenas de uma das tribos tradicionais do baixo amazonas, que lutavam ao lado dos homens e apenas naquele momento eles não estavam por perto. Gonçalves Dias, afirma em sua tese sobre o assunto que as diversas versões sobre a lenda das Icamiabas, eram narrativas fantasiosas, criadas para despertar a curiosidade alheia e estimular a busca de riquezas nos desconhecidos trópicos e rejeita veemente a possibilidade de existir uma sociedade só com mulheres, tanto aqui como na Grécia Antiga.
Todo esse debate com tantos argumentos interessantes coloca uma dúvida, será que foram os indígenas que influenciaram o imaginário dos europeus ou os europeus que influenciaram o imaginaram indígena? Uma vez que as narrativas da tradição oral se perpetuam muito rápido e sempre sofrendo alteração à medida que muda-se de narrador, fica difícil dar uma resposta conclusiva para a pergunta: As Icamiabas existiram?
No Brasil do século XX, essa história foi vista com muita desconfiança e muitos historiadores vão sugerir que, apesar de haver relatos também de indígenas que contam em detalhes como viviam as Icamiabas, reforçando a versão dos espanhóis, é impossível afirmar a existência delas.
No Brasil do século XX, essa história foi vista com muita desconfiança e muitos historiadores vão sugerir que, apesar de haver relatos também de indígenas que contam em detalhes como viviam as Icamiabas, reforçando a versão dos espanhóis, é impossível afirmar a existência delas.
Entretanto, tem uma coisa que não
podemos desconsiderar quando pensamos nesta questão: não é a primeira vez que
descobrimos semelhanças entre elementos culturais dos povos nativos da américa
com elementos culturais das civilizações antigas do médio oriente, desenvolvidos
bem antes do contato com entre esses povos. Um exemplo clássico é o arco e
flecha, artefato presente em diversas culturas ameríndias e também em culturas
do médio oriente. Podemos citar também as pirâmides Incas, semelhantes em muitos
aspectos às pirâmides egípcias. Outro exemplo que não posso deixar de citar é
uma palavra do tupi-guarani que gosto muito e usei para nomear este projeto
cultural, Okara.
Okara é uma palavra que em
tupi-guarani significa o centro da aldeia, onde se realizam as manifestações,
as festas, os ritos, o lugar que é público em oposição a Oka. O que seria
equivalente em português a palavra praça. Mas descobri recentemente que os gregos,
por incrível que pareça, também tinham uma palavra que representava a mesma
ideia: Ágora. Interessante, não? Portanto, a ideia de que a lenda das Icamiabas
possa ter sido originalmente criada por algum povo da região amazônica e de
certa forma alimentado as fantasias dos europeus, não é tão absurda assim.
Pode ser que essas mulheres migraram
do leste asiático e vieram fincar raízes nos afluentes do rio Amazonas, pode
ser que índias fugiram de suas tribos e fundaram o famoso reino de índias
guerreiras independentes, pode ser que existiu uma massacre numa tribo e os
homens morrem e sobraram só as mulheres e pode ser que nada disso seja real e que
jamais descobriremos a verdade.
Todavia, a busca por fatos que
comprovem ou não a existência das Icamiabas já mobilizou expedicionários,
pesquisadores, leitores e curiosos e no fundo rende uma intrigante aventura. Seja
através de estudos e pesquisas já realizadas sobre o assunto, seja através de
expedições na floresta Amazônica em busca das origens do mito das mulheres
guerreiras sem marido ou até mesmo através da imaginação. Talvez um dia
encontraremos uma resposta, talvez não.
O fato incontestável é que a
lenda existe! Enquanto literatura, faz conexão entre muitas das angústias e
anseios do imaginário feminino. A história das mulheres guerreiras e
libertárias, fascina, cativa e inspira. E hoje, na chamada primavera feminina,
ganha força no coro de mulheres que se sentem profundamente atraídas pela ideia
de libertação representada na lenda das índias guerreiras.
Mulheres sem maridos, mulheres
que manejam armas, mulheres guerreiras que se defendem sozinhas, que fazem sexo
só com consentimento delas, que não são obrigadas a cumprir leis criadas pelos
homens, independência, sonoridade, igualdade, revolução, tudo isso está
presente e vivo na lenda das Icamiabas. Oras, é compreensível porque essa lenda
tem se tornado tão latente e inspiradora em nosso imaginário. Trata-se da
representação simbólica de uma utopia desejada pelas mulheres há milênios:
Liberdade! Podem até dizer que os europeus tenham inventado essa história, mas
hoje nós tomamos a palavra e recontamos do nosso jeito, de um modo que faça
sentido para nós. Mário de Andrade reservou um espaço siginifcativo para elas em seu clássico Macunaíma. Assim como tantos outros escritores que desdicam páginas e páginas de seus trabalhos para mantê-las vivas em nosso imaginário literário.
Ativistas dos direitos das mulheres, feministas e amantes da literatura fantástica, vão encontrar nessa lenda um diálogo inspirador. Toda simbologia de libertação contida dentro desta história, cria uma ponte entre a poética libertária contida na narrativa das indígenas guerreiras e a poética sedenta de revolução que emana de cada um de nós. Simplesmente um encontro fantástico.
Icamiaba, tornou-se um símbolo de
resistência, luta e libertação ao sistema patriarcal opressor que vivemos.
Icamiaba representa a força das
mulheres que estão hoje na luta diária por uma existência mais humana e
igualitária.
Icamiaba alimenta a desobrigação
de se sujeitar às leis e a moral inventada pelos homens.
Icamiaba invoca a libertação dos
padrões de comportamento e beleza impostos pelo patriarcado.
Icamiaba traduz uma potência
dentro de cada mulher disposta a mudar os rumos do seu destino.
Icamiaba ecoa o grito silenciado há
milênios e quer dizer: Estamos juntas e
não tememos a luta!!
Karina Guedes
* Ensaio publicado originalmente em : https://www.recantodasletras.com.br/ensaios/6712349
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