sexta-feira, 1 de maio de 2020

METADE CARA, METADE MÁSCARA - Eliane Potiguara

Metade Cara, Metade Máscara é um livro muito interessante escrito por Eliane Potiguara, escritora, poeta, ativista, professora, empreendedora social de origem étnica potiguara de seus avós.  Neste livro revela-se uma escrita literária que mescla diferentes gêneros textuais. 

No início são apresentadas informações e reflexões sobre identidade, invasão das terras indígenas e migração. Acontecimentos que vão colocar os povos indígenas em marcha e em luta pela sobrevivência.

Ao relatar de forma brilhante a diáspora indígena, a autora denuncia verdades sobre o doloroso processo de colonização, chamando atenção para as questões que tangem especialmente a mulher indígena.  O olhar feminino está presente em toda obra, colocando em evidência o universo feminino com textos que abordam: amor, família, pertencimento, violência, identidade e direitos humanos, entre outros temas. E essa temática se concretiza em torno das histórias das mulheres, ou seja, aquelas que não foram contadas.

Ancestralidade, espiritualidade, culto a terra e a busca pela preservação da identidade são assuntos abordados e colocados em questão pela autora. A narrativa se encerra tecendo uma verdadeira evocação de luta e resistência. Toda essa presença indígena traduzida numa composição lírica inclassificável, se desenvolve numa trama minuciosamente construída entre a prosa e a poesia.

A tessitura da composição estética traz sons, cores e vozes de povos que contam sua própria história, fazendo-se sujeito e personagem ao mesmo tempo. Eliane Potiguara cria um caminho didático ao apresentar textos de gêneros diversos, de modo que fica colocado para ao leitor as diferentes portas abertas que ele poderá adentrar para compreender as questões sociais colocadas e posições políticas defendidas. É como se ela usasse diferentes códigos para transmitir a mesma mensagem. 

Ao contar a história e movimentos de Jurupiranga e Cunhataí, a autora vai usar  poesia e prosa poética como forma de transmitir a imagem, presença e trajetória da família indígena simbolicamente representada por esses personagens. A linguagem do livro se dá numa mistura textual, tão bem elaborada que nos envolve, nos intriga e nos comove do começo ao fim. 

Há muito tempo que eu queria ler esse livro e quando finalmente consegui foi um baque forte, porque Eliane tem um jeito muito próprio de narrar, relatar, contar. Os caminhos que ela escolhe para trazer seu pensar são sempre um convite a uma experiência desafiadora de leitura. Tanto do ponto de vista da fruição literária, quanto do ponto de vista da reflexão política. Ela nos envolve, nos faz pensar e ver tudo com outro olhar. O olhar de quem durante todo esse tempo, esteve do outro lado, o lado dos oprimidos e silenciados. E isso mexe com a gente, nos transforma. 

Ao final da leitura a sensação foi como se aqueles personagens indígenas de que tanto ouvimos falar nas aulas de história, de repente saíssem do livro e dissessem: Agora sou eu que vou falar. Ouça. E você se vê, não diante de uma nova versão da história, mas sim de outra história. Aquela não contada, escondida embaixo do tapete, ou até mesmo apagada da chamada historiografia oficial. 

Ler Eliane Potiguara é como receber um orelhão na cabeça, porque não é só uma ficha que cai, são várias. Ela tem um jeito didático/poético/único de contar verdades e nos ensinar a reconhecer mentiras. Aliás, essa foi uma impressão que ficou muito forte para mim, quanta mentira nos contam sobre os indígenas e nós na inocência ou na preguiça, simplesmente acreditamos.

Tenho dedicado um tempo da minha vida e do meu coração, para entender os movimentos indígenas. E  ler a literatura que se escreve a partir daí, para mim é sempre a melhor e mais deliciosa trilha. Adoro ler livros, artigos, músicas, textos de todos os tipos escritos por indígenas, porque é como se eu adentrasse nas aldeias, das florestas ou cidades, como convidada e não como intrusa. E eu adoro ser convidada a conhecer o outro a partir de sua própria perspectiva. Para mim é uma honra.


SOBRE O AUTORA:  

Profª Eliane Potiguara é escritora, poeta, ativista, empreendedora social de origem étnica potiguara de seus avós, migrantes nordestinos. É formada em Letras e Educação pela UFRJ e extensão em Educação e Meio ambiente pela UFOP. É contadora de histórias. Nasceu em 29/09/1950 na cidade do Rio de Janeiro. Recebeu o título de Cavaleiro da Ordem do Mérito Cultural do Brasil pelo Ministério da Cultura entregue em mãos pela Presidência da República. Fellow da organização internacional Ashoka (empreendedores sociais), fundadora do GRUMIN (Grupo Mulher - Educação Indígena) e Enlace Continental de Mujeres indígenas e Embaixadora da Paz pelo Círculo de Escritores da França. Participou da elaboração da Declaração Universal dos Povos Indígenas/ONU por 6 anos nas sessões em Genebra. Possui 7 livros publicados. Teve seus textos publicados em diversos sites, antologias e e-books nacional e internacional. Premiada pelo Pen Club da Inglaterra e Fundo Livre de Expressão (USA). 

EMBAIXADORA UNIVERSAL DA PAZ: Eliane Potiguara foi nomeada Embaixadora Universal da Paz em Genebra (Cercle Universel des Ambassadeurs de la Paix – Genebra – Suíça). 

Além de tudo isso que está na biografia oficial em seu site, ela é também uma pessoa muito, mas muito gentil, maravilhosa e inspiradora que eu tive a honra de conhecer pessoalmente numa festa literária. 💗Site: http://www.elianepotiguara.org.br


Karina Guedes

@okarapóetica