segunda-feira, 28 de dezembro de 2020

INTO THE WILD - Jon Krakauer + presentinho no final da resenha.


"dois anos ele caminha pela terra. sem telefone, sem piscina, sem animal de estimação, sem cigarros,. liberdade definitiva. um extremista. um viajante estético cujo lar é A ESTRADA."

(Grafite no Magic Bus, escrito por Chris McCandlles)

Into the Wild ( Na natureza Selvagem), conta a história de Christopher Johnson McCandless, um jovem de uma família abastada da costa leste dos Estados Unidos que foi de carona até o Alasca e adentrou sozinho a região selvagem e desabitada ao norte do monte McKinley. Quatro meses depois, seu corpo decomposto foi encontrado por um grupo de caçadores de alce. No verão de 1990, logo após se formar, com distinção, na Universidade Emory, McCandless sumiu de vista. Mudou de nome, doou os 24 mil dólares que tinha de poupança a uma instituição de caridade, abandonou seu carro e a maioria de seus pertences, queimou todo o dinheiro que tinha na carteira. Inventou então uma vida nova para si, instalando-se na margem maltrapilha de nossa sociedade, perambulando pela América do Norte em busca de experiências cruas, transcendentes. Sua família não tinha ideia de onde estava ou que fim tivera até que seus restos apareceram no Alasca. (nota do autor)

Uma história tocante

Meu primeiro contato com essa história foi através do filme Into the Wild (2007), adaptação dirigida por Sean Penn. Na época fiquei absolutamente cativada pela trajetória de Christopher McCandless e sua aventura. Confesso que a trilha sonora composta por Eddie Vedder contribuiu muito para isso, acho que a profundidade poética das letras dialogam perfeitamente com o espírito da história, somadas ao drama e carisma do personagem principal, nos levam a trilhar com ele e se emocionar com sua fatídica aventura.

No entanto, demorou uns seis anos para que pudesse ler o livro que deu origem ao filme e acho que isso foi bom. Primeiro, porque talvez se eu tivesse lido antes provavelmente não teria me envolvido tanto, pois ainda estava muito influenciada pelas imagens do filme. E segundo, porque as melhores trilhas da minha vida, fiz nesse intervalo de tempo. Portanto, esse distanciamento contribuiu para que eu fosse absolutamente absolvida pela narrativa do livro. E mesmo já conhecendo o desfecho da história, me envolvi e me emocionei página por página, com direito a lágrimas e soluços. Existe algo na história de McCandless que só quem já se aventurou na natureza ou descobriu o prazer de estar sozinho, é capaz de compreender. 

O filme é lindo e comovente, tem uma trilha sonora maravilhosa e tals, mas nos dá uma visão romantizada na história do Chris. Já a narrativa, não menos apaixonada de Jon Krakauer,  nos revela em profundidade o drama da vida do jovem aventureiro. Não se trata aqui da velha questão livro x filme, até porque para mim essa questão nem existe. Cinema e literatura são linguagens diferentes e uma nunca vai ser igual a outra. Jamais vejo uma adaptação literária para o cinema com a intenção de que o filme seja idêntico ao livro. Cada linguagem tem seus recursos próprios para contar uma história. Tendo isso em mente, torna-se inevitável  reconhecer as diferenças entre um e outro e se divertir com isso, pois reconhecer as diferenças construtivas torna a leitura mais completa.

No caso aqui ambos são ótimos, mas o livro obviamente contém mais detalhes e informações que nos levam a compreender a jornada de Chris McCandless com menos julgamento e mais empatia.


Diferenças construtivas 

A primeira coisa que faz diferença no livro é o foco narrativo. A história é contada a partir do relato apaixonado de Jon Krakauer que pesquisou profundamente a história de Chris, fazendo inclusive o mesmo percurso, coletando materiais para compor o livro. A narrativa entrelaça relatos de pessoas que conheceram e conviveram com Chris McCandless durante e até mesmo antes de sua aventura, com as reflexões e observações do autor. 

Ao refazer a trajetória de McCandless, Jon faz um paralelo entre a história dele com sua própria história. O que também é um aventureiro, alpinista, nos conta uma experiência semelhante em muitos aspectos com a que Chris passou, porém com um final mais feliz. Então, essa perspectiva narrativa faz toda a diferença ao acompanharmos a trajetória daquele que viria a se tornar o famoso Alexander Supertramp. 

Outro ponto importante é que os conflitos familiares que culminaram no distanciamento e até mesmo a repulsa de Chris pelos seus pais, são revelados em maiores detalhes. O que nos leva a ter uma compreensão diferente de diversos enigmas de sua trajetória, inclusive do final dela. 

O filme termina com o que seria a grande epifania de Chris, “a felicidade só existe quando compartilhada”, em meio a imagens de supostas lembranças de sua família.

Mas no livro, que poderíamos até chamar de documental devido a riqueza de material apurado, nada nos leva a compreender que Chris teria ao final da vida, perdoado seus pais. O que podemos compreender a partir dos registros de seu diários e relatos das últimas pessoas que estiveram com ele, é que ele cumpriu seu propósito e se sentiu pronto para voltar. Porém, nada entre esses registros nos leva a pensar que esse voltar seria para a casa de seus pais, para o seio familiar, como sugere o filme. Acho que esse é um ponto muito interessante da história e que obviamente carece de mais investigação da minha parte, mas, por hora é como interpreto a questão. 

Uma pista para melhor interpretar essa questão seria ler o livro Dr. Jivago, que foi o livro que ele leu por último e ao que tudo indica o influenciou nesta epifania. Trata-se um livro bem controverso e polêmico acerca dos desdobramentos da Revolução Russa. Alguns o consideram uma crítica ao comunismo, enquanto outros dizem que se trata de uma apologia ao comunismo. Apesar de ficar claro durante a narrativa que Chris era avesso a “lados políticos definidos”, chegando a ser até controverso em suas posições, parecendo muitas vezes um anarquista nato, outras vezes nem tanto, algo me diz que a compreensão mais profunda de Dr. Jivago pode nos dar boas pistas dessa questão enigmática de sua jornada. 

O terceiro ponto interessante na narrativa de  Jon Krakauer é a descrição da paisagem. Dá vontade de entrar no livro e fazer parte da história. A maneira como ele retrata as paisagens de toda a trajetória de Chris, principalmente da Stempede Trail e do Monte McKinley, é emocionante e envolvente com um tom de paixão intenso. Afinal, quem narra é também um aventureiro de alma selvagem e tem sua vida completamente envolvida com a natureza. Assim, as paisagens descritas dos lugares visitados por Chris se entrelaçam com as paisagens dos lugares visitados por Jon, dando certa intensidade ao mergulho na natureza selvagem e alimentando ainda mais nosso desejo de aventura. Quando digo nosso, refiro-me aos amantes do contato com a natureza e com essa prática tão ancestral e perturbadora que é seguir em trilhas por caminhos desconhecidos e atraentes do mundo natural. Tem gente que simplesmente precisa ir, e vai... 

E porque essa história é tão fascinante e tem movido pessoas em torno dela há mais de 30 anos?

Diversos motivos nos causam empatia pela trajetória de Chris McCandless, seja pela paixão por esportes radicais, por trilhas, aventuras e desafios de todos os tipos. A natureza desconhecida é sem dúvida um tema muito atraente para muitas pessoas. A possibilidade de testar nossos limites físicos e emocionais, o desafio da superação e da resistência, fazem parte da trajetória narrada nesse livro e isso se conecta com nossos instintos mais primitivos e ocultos dentro de nós. A (des) conexão ser humano-natureza, nos provoca reflexões e emerge conflitos sobre nosso papel e propósito no mundo. E talvez o fato de que assim como Chris, também sentimos repulsa à hipocrisia da sociedade e da escravidão institucionalizada pelo sistema capitalista em que estamos submetidos. 

O tema do desapego é também central nessa história, ele parte rumo ao desafio de desapegar de um mundo pré-fabricado, com regras pré-estabelecidas e valores pré-definidos e sai em busca de algo, que nem ele mesmo sabe exatamente bem o que é, ele simplesmente vai de encontro ao mundo selvagem onde acredita, a princípio, ser o oposto a tudo isso que conhece.  Esse chamado à rebeldia, de renegar um mundo que não fora construído por nós mesmos é sem dúvida muito atraente, sobretudo aos espíritos mais livres. 

De todos os motivos que me fascinam nessa história, o que mais me toca é o sentimento de solitude.  E a solitude não é a mesma coisa que a solidão. 

Solidão está geralmente associada a dor de estar só, sendo algo negativo, pois quem tem esse sentimento dentro do peito, deseja estar na companhia de alguém. 

Solitude está associado a glória de estar sozinho, pois revela-se uma satisfação imensa em não precisar da companhia de outra pessoa para sentir-se bem, sentir-se pleno.

Tem um texto muito bom sobre essa diferença no site Fãs da psicanálise, onde o autor Felipe de Souza escreve o seguinte: 

“De acordo com o dicionário Michaelis, a palavra solitude é um palavra de uso poético. A poética, por sua vez, remete tanto à produção de algo novo como à apreciação e criação da beleza. Ou seja, a solitude permite o tempo e o espaço e o silêncio para fazer o útil ou o belo. Também permite não fazer nada. Também permite desenvolver a espiritualidade, encontrar-se enquanto uma pessoa diferente dos demais e se aceitar como se é – independentemente da aprovação do outro...”

E essa ideia é totalmente refletida na trajetória de Chris, principalmente quando ele adentra ao Parque Nacional Denali rumo a sua caminhada transcendental. Através das anotações de seu diário e principalmente das fotos que ele fez durante esse período, é possível ver esse sentimento em seu semblante. Talvez não possamos dizer que a solitude esteve em seu espírito cem por cento do tempo, mas os registros sugerem que pelo menos uma boa parte sim.   

Na última foto, em que segura um bilhete de despedida, pois já sabia que a morte estava a sua espera, é possível ver em seus olhos, a serenidade de quem percorre um longo percurso para dentro de si mesmo, se encontrou e se realizou. 

Quem passa pela experiência de ficar sozinho em algum momento da vida e se permite experimentar a solitude, aprende algo de extremo valor para a sobrevivência humana: não ser emocionalmente dependente de ninguém. Aliás, nenhum tipo de dependência é interessante para o desenvolvimento de uma vida saudável, plena e liberta. Mas acho que a dependência emocional pode ser das piores amarras que alguém possa ter na vida. Pois, ela nos leva ao aprisionamento do que há de mais íntimo em nosso ser: o desenvolvimento da capacidade de bastar-se e ser completo em si mesmo. 

E porque isso é importante? 

Porque uma pessoa que se sente completa por si só, jamais vai aprisionar alguém para suprir suas carências afetivas, uma vez que não as tem. E tampouco vai se deixar ser aprisionado. Não consigo ver mais representação do sentimento de libertação do que esse, a não necessidade emocional do outro.

Isso não significa que não precisamos dos outros ou da vida em sociedade. Viver em conjunto é produtivo e é natural estabelecermos vínculos e parcerias ao longo da vida. Ajudar e ser ajudado, apoiar e ser apoiado, assim como realizar trocas honestas e equilibradas de afetividade. Porém, essas relações que estabelecemos com o mundo e pessoas à nossa volta, não podem custar o aprisionamento da nossa alma. Acredito que é isso que a solitude pode nos trazer, além de estado de satisfação plena consigo mesmo, um estado de independência emocional do outro, o que nos torna pessoas mais libertas e mais completas.

 O que penso da história de Alex Supertramp? 

Bem, a intensidade da narrativa do livro me fez chegar a seguinte conclusão: não se trata só da história de um aventureiro. Trata-se de uma trajetória autêntica de busca de autoconhecimento, de coragem para viver de acordo com seus próprios princípios. Um belo exemplo de autenticidade: pensar, desejar, estabelecer uma meta e buscá-la. Manter o foco e não desistir jamais. Mesmo quando tudo à sua volta lhe disser não. Lutar pelo sim até o final. 

Chris McCandless conquistou seu objetivo, chegou ao Alasca, viveu da natureza, transcendeu à vida selvagem. Encontrou respostas e decidiu voltar. Porém, o acaso do destino lhe trouxe uma surpresa, essa talvez tenha sido a única derrota de Chris, a sorte que lhe faltou num momento crucial.

Alguns vão questionar, porque ele não se preparou mais ou não estudou melhor a região antes de se aventurar por terras desconhecidas. Bem, talvez porque não era esse o propósito. Ele não estava fazendo uma expedição de reconhecimento de área, ele estava vivendo sua grande aventura de vida. Ele não queria dominar a natureza e sim vivê-la. Integra-se a ela através de uma relação ser-humano-natureza mais primitiva possível. Esse era seu propósito e não bater recordes esportivos ou fazer turismo. Ao compreender isso, parei de julgá-lo. 

E de repente a história fez muito sentido. Ele viveu o que se propôs a viver, de forma liberta e de acordo com seus próprios ideais.

A narrativa apaixonada do autor também contribui para que possamos seguir Chris em sua jornada sem julgá-lo. Acho que essa é uma rota interessante de seguir para leitura do livro. Tentando se colocar no lugar daquele jovem tão obstinado, corajoso e convicto de suas ideias.  Isso não é romantizar a trajetória, e sim vivê-la junto com ele. Acredito que essa rota pode nos levar a uma leitura mais profunda e muito mais emocionante. E compreender que a grande aventura de Chris é também uma tragédia com a qual podemos aprender muito e  chegarmos ao final da última página diferentes de quando iniciamos a primeira. Tal como acontece quando colocamos os pés numa trilha, mergulhamos profundamente em sintonia com o caminho, superando obstáculos, compreendendo cada vez mais o trajeto e se maravilhando com a beleza do percurso. Ao final da trilha, não somos mais os mesmos e isso é libertador. 


SOBRE O AUTOR: 

Jon Krakauer (nascido em 12 de abril de 1954) é um escritor e montanhista americano. Ele é o autor de best-sellers de livros de não ficção - Into the Wild; Into Thin Air; Sob a Bandeira do Céu; e Where Men Win Glory: The Odyssey of Pat Tillman - bem como vários artigos de revistas. Recebeu um Oscar de Literatura da Academia Americana de Artes e Letras. De acordo com a citação do prêmio, “Krakauer combina a tenacidade e a coragem da melhor tradição do jornalismo investigativo com a sutileza estilosa e a visão profunda do escritor nato”.


SOBRE CHRIS McCLANDLESS:

Neste site mantido pela família de Crhis, é possível encontrar muitas informações sobre sua biografia, assim como livros e vídeos a respeito de sua trajetória. 

http://www.christophermccandless.info


MINHA DICA PARA UMA LEITURA MAIS PROFUNDA LEITURA DESTE LIVRO:

Se você nunca fez um trilha antes, experimente. Se você pretende ler esse livro e nunca fez uma trilha, faça uma primeiro. Se você nunca ficou sozinho, desconectado do mundo por pelo menos um final de semana, experimente isso antes de ler esse livro. Acredite, tais experiências farão sua leitura ser muito mais intensa e emocionante. 

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Karina Guedes

@okarapoetica