segunda-feira, 8 de março de 2021

COMO CONVERSAR COM UM FASCISTA - Reflexões sobre o cotidiano autoritário brasileiro - Marcia Tiburi


Já perceberam como é difícil conversar com quem tem resposta pronta pra tudo? Tipo aquela pessoa que só fala, fala, fala, fala e quando raramente deixa você falar, ela nem te ouve e até te interrompe para refutar sua fala com seus argumentos prontos e engessados. Esta pessoa que não está a fim de dialogar e sim de se autoafirmar e precisa de plateia, de público que escute e de preferência balance a cabeça em sinal de sim. Por isso, a pessoa fica irritada incomodada, com raiva, de quem discorda dela. Acho que todos nós já passamos por esse desafio, de tentar conversar com quem não quer ouvir. Situação constante em nosso cotidiano e que se torna terreno fértil para o discurso de ódio, para a intolerância e violência de todos os tipos.

"O fascista não consegue relacionar-se com outras dimensões que ultrapassem as verdades absolutas nas quais ele afirmou seu modo de ser. Sua falta de abertura, fácil de reconhecer no dia a dia, corresponde a um ponto de vista fixo que lhe serve de certeza contra pessoas que não correspondem à sua visão de mundo preestabelecida."

Primeiro a autora defende a linguagem como construção do pensamento, a importância do diálogo, da política como exercício da ética, em seguida faz uma critica reflexiva e pontual ao discurso autoritário desse momento da nossa sociedade contemporânea. Em capítulos curtos e uma escrita fluída a autora propõe reflexões sobre linguagem, as relações de amor e ódio que permeiam o desenvolvimento humano e as condições sociais, redes sociais e a proliferação e consumo em massa do senso comum, democracia, narcisismo, dentre outros temas. O livro é amplo em reflexões sobre discurso e poder. A partir de assuntos urgentes para nosso momento político atual, são feitas análises desse nosso modo de se comunicar ou da ineficiência dele. 

" Do mesmo modo, a questão é também pensar o ato político como ato linguístico (sendo que todo ato linguístico é político) e perguntar o que estamos fazendo quando estamos dizendo coisas uns aos outros. Porque que não existe política nem a forma antipolítica, que é o fascismo, sem práticas linguísticas, que constroem ou destroem a política. "

Neste momento em que a gritaria das redes sociais se faz presente, a surdez ao diálogo torna-se uma doença quase viral e a cegueira para a diversidade de pensares nos torna autoridade máxima em discursar sobre o que não somos capazes de ver ou compreender em profundidade. 

"Preferimos viver no espelho porque ver de verdade sempre incomoda. Ou viver sem espelho algum, pois o que nele aparece, se não nos agrada, é melhor fingir que não se viu. Por isso, a ilha parece nos proteger. Nos proteger em um cancelamento da vida que é o individualismo...Na ilha de nós mesmos nos defendemos dos sons que vêm da ilha alheia. Assim parece tudo mais fácil. "

Em nosso atual cenário, onde mais de 70% da população brasileira não lê livros, a educação pública precarizada/sucateada, a maioria das pessoas, as massas assim dizendo, se afogam em tsunamis de informações, desinformações e fake news via redes sociais ,televisão e rádio, pois são sua únicas fontes. O diálogo é colocado como proposta de resistência ao autoritarismo imposto pelo fascismo em ascensão.

 “ Se nosso ser político se forma em atos de linguagem, precisamos pensar nessa formação quando o empobrecimento desses atos se torna tão evidente. O autoritarismo é o sistema desse empobrecimento. Ele é o empobrecimento dos atos políticos pela interrupção do diálogo. Interrupção que se dá, por sua vez, pelo empobrecimento das condições nas quais o diálogo poderia acontecer. Essas condições são matérias e concretas... A linguagem está fora e dentro das pessoas, forjando-as e sendo forjada por elas. O diálogo é uma atividade que nos forma e que é formada por nós. É um ato linguístico complexo capaz de promover ações de transformação em diversos níveis. “

Um livro totalmente pertinente para os nossos dias. Um convite irrecusável à refletirmos sobre a origem e “necessidades” do discurso de ódio tão em voga, principalmente nas redes sociais. No hipotético modo de como conversar com um fascista, a autora vai capítulo a capítulo nos convidando a refletir sobre questões básicas que estão ligadas diretamente ou indiretamente ao desenvolvimento desse pernicioso comportamento em nosso cotidiano brasileiro. Conversar com um fascista é um título irônico, que nos surpreende pelo seu sentido quando concluímos a leitura.


SOBRE A AUTORA:

Marcia Tiburi é professora na Universidade Paris 8, na França. Autora de diversos livros, entre os quais Filosofia Prática, ética, vida cotidiana, vida virtual (Record, 2014), Feminismo em Comum (Rosa dos Tempos, 2018), e Complexo de Vira-Lata – Análise da humilhação brasileira (Civilização Brasileira, 2021). 

Marcia Tiburi é Graduada em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (1991) e em Artes Plásticas pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (1996), mestre em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (1994) e doutora em Filosofia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (1999) com ênfase em Filosofia Contemporânea, e fez pós-doutorado em Artes pelo Instituto de Artes da UNICAMP. 

Ela publicou diversos artigos em revistas acadêmicas, jornais e revistas de cultura e lecionou em diversas universidades brasileiras, bem como em cursos livres da Revista Cult, Casa do Saber, Escola Kope entre outras.

É considerada uma das grandes pensadoras brasileiras da atualidade. 


Boas leituras e boas reflexões! 💪🏾🌹


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