O cotidiano, as ausências que sobram, as presenças que
faltam, feridas abertas, cicatrizes que coçam, Ryane Leão fala de amores e
dores com a mesma intensidade.
À medida que ia lendo este livro por vezes me vi há vinte
anos atrás, me jogando sozinha no mundo e enfrentando tudo o que viesse pela
frente. Para quem decide se libertar dos padrões de comportamento que a sociedade patriarcal impõe, submissão, casamento, maternidade e a velha moral burguesa às avessas, aprender a
resistir e a se reconstruir lutando contra tudo isso é um ato de amor e compaixão
para consigo mesma.
O título já diz muito sobre Ryane Leão, ela brilha e queima linha por linha. O amor, as alegrias, revoltas e euforias que transbordam dos versos escritos encontram remanso no peito de quem lê. Afinal, além de verso e ritmo, poesia é também encontro.
As vozes de sua poesia transmitem força, doçura e
revolta. Sentimentos comuns às mulheres que se propõem a questionar sua
existência e seu lugar no mundo, assim como criar seu próprio mapa e se aventurar em seus próprios caminhos. A luta e a resistência da mulher negra, são os pilares de sua poética, evocada com sabedoria e amor.
Com uma métrica própria e versos intensos, a autora nos convida a dar vida à nossa voz e nossa poética mais íntima. Afinal, sua poesia é como um chamado para a coragem de questionar, protestar e amar. O diferencial de seu estilo não está só na estrutura estética dos versos, mas também nos temas abordados. Amor, reflexões, desilusões, recomeços, racismo, machismo, luta e muita paixão pela palavra são marcas de seu trabalho. Difícil não se entusiasmar com versos tão empoderadores. Questionamentos, vontade de lutar e reivindicar o seu lugar sem medo de se
posicionar. Uma voz poética que ecoa e se expande, indo muito além
dos cafés elitizados ou manuais literários acadêmicos de outrora.
Ícone da
literatura brasileira contemporânea, Ryane Leão é a poesia do hoje, do agora, do momento de
luta e amor de cada mulher. É atual, sem ser rasa, simples sem ser supérflua e
ao mesmo tempo complexa o bastante para nos levar à reflexões sobre nós
mesmos, nossas relações e nossa luta diária.
Durante a leitura senti uma vontade imensa de ouvir Nina
Simone, Aretha Franklin, Gloria Gayor, Beyoncé, mulheres que usaram a arte como
instrumento de resistência e luta. E não só ouvir suas canções, mas compreender suas histórias de vida. É absolutamente incrível a
sede de conhecimento que uma poesia engajada na concretude das relações sociais pode nos provocar.
Talvez a poesia de Ryane Leão seja um convite a olhar para
si mesmo, se conhecer e buscar em nossa ancestralidade toda força de resistência
necessária para se manter de pé, de cabeça erguida e em luta. Porém sem abrir
mão da capacidade e vontade de amar.
+ SOBRE A AUTORA:
Poeta, professora, Ryane Leão
começou a publicação de seus poemas em
lambe-lambes e espalhando pela cidade e também no Twitter. O projeto @ondejazzmeucoracao, tem milhares
de seguidores no Instagram e propõe um grito de poesia e de luta.
Em 2016 realizou uma campanha de
financiamento coletivo para o lançamento de seu primeiro livro. No ano seguinte
publicou “Tudo Nela Brilha e Queima” (Editora Planeta), marcado pelo ativismo
em defesa dos direitos das mulheres negras, que em 2018 lhe rendeu uma
indicação ao Prêmio Jabuti de literatura.
Ryane também é fundadora do Odara-
English School for Black Girls, escola de inglês para mulheres negras, onde o
trabalho é pautado na resistência da
arte e da educação.
Empoderamento e ancestralidade
dão um tom de luta na cadência de seus versos. Lançou o segundo livro “Jamais
peço desculpas por me derramar” (Editora Planeta) em 2019.
É considerada um nos grandes
nomes da literatura brasileira contemporânea.
Karina Guedes
@okarapoetica